Fragmentos e Incertezas

Inspirado por um jogo de “Thordezilhas: Oceano Desconhecido”

Anaíse
3 min readNov 27, 2020

Eudora não voltaria ao oceano. Pelo menos era nisso que gostaria de acreditar.

Não.

Durante os anos no interior sentiu falta de sua imensidão, das correntes, do sal. Não eram as águas que lhe causavam aversão. Era um lugar bastante específico. A maioria dos seres da terra achavam que era apenas uma lenda, mas ela sabia a verdade — assim como outros que também circulavam entre eles, despercebidos. Traída pelo próprio lar…era assim que se sentia — e agora que via as infinitas possibilidades que o mundo tinha a oferecer, agora que sentira o gosto, que entendera o que era liberdade, não iria voltar.

Não.

Lizzie não deixou ninguém ditar o seu caminho. Eudora também não permitiria.

Decidiu voltar ao mar, acompanhar a amiga. Dessa vez sobre uma carcaça de madeira. Seria mesmo uma boa ideia? Pelo menos conseguia estar perto o suficiente pra lembrar a sensação de estar submersa no imenso azul. Será que poderiam encontrá-la? Se não tocasse a água talvez estivesse segura — tanto dos que estavam lá como dos de cá. Os de cá não sabiam.

O que fariam se soubessem? Como se conta algo assim? O que iriam pensar? Como reagiriam? O quanto teria que revelar? E se perdesse tudo o que conseguiu nos últimos anos? Ela deu sorte com Lizzie…talvez não desse tanta sorte com os outros. Nem todos tinham o mesmo coração aberto. Vez ou outra passava os cenários em sua mente.

Lekan a trataria com frieza. Talvez a perdoasse, eventualmente, mas a confiança nunca mais seria a mesma. E Lizzie…Lizzie já sabia. Se tudo viesse à tona ela certamente seria prejudicada. Ignácio não era um homem de perdoar. Eudora conseguia praticamente enxergar o desprezo nos olhos do espadachim caso a verdade fosse revelada. Pior. Ele sequer conseguiria olhar para ela. Melhor que não soubessem.

Não.

A voz de Lekan verteu sua atenção para o presente. O caos no porto. O navio. A missão. Precisavam de uma rota de fuga — pelo menos diminuir as chances de perseguição. Sentiu o coração batendo na garganta. Sabia o que deveria fazer. Lidaria com possíveis consequências depois. O segredo não era tão importante quanto garantir a segurança dos seus. Poucas palavras trocadas.

“Me encontre no navio.”

E foi-se. E por um instante o medo parecia distante como o reflexo opaco da lua a tremeluzir na superfície. O frio penetrava sua pele, e era bom. Chicoteou a cauda e, ao deslizar pela água, um arrepio eufórico percorreu-lhe da ponta da nadadeira até a nuca. Só então se deu conta da falta que fazia esse pedaço de si que havia tentado trancar em um baú escondido no fundo do mar — uma vez que não era possível arrancar.

Com habilidade, quebrou lemes, enroscou âncoras e emaranhou remos com redes, enquanto dirigia-se à embarcação escolhida para levar ao capitão do “Coração Ardente”. Tanto mais próxima ficava a superfície, mais os receios voltavam ao coração, como um redemoinho. A ausência de pessoas no convés não lhe trouxe sossego: teria acontecido alguma coisa a Lekan e os insurgentes? Já estava seca quando eles surgiram no convés. A ébana certamente sabia se virar, ainda assim o rosto de Eudora se iluminou em um sorriso quando a viu chegar em segurança.

A tranquilidade não durou muito. Ainda restavam Lizzie e Ignácio…

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Written by Anaíse

Atriz, cantora e pet sitter. Meio-elfa barda e humana artífice nas horas vagas.

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